quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Avant-garde project


Já falei rapidinho aqui sobre o Avant-garde Project, iniciativa de um cara chamado Lou Davenport, dono de uma grande coleção de discos de música erudita contemporânea. Ao perceber que muitos desses discos estavam fora de circulação, ele resolveu convertê-los em arquivos de áudio e compartilhar com o mundo. Zero comercialismo e 100% idealismo, visto que ele não lucra nada e ainda tem o trabalhão de fazer as conversões. Alguns meses atrás, tive um probleminha baixando um dos discos, mandei um email para ele comunicando a falha e aproveitei para fazer uma entrevistinha por email. Segue aqui:

Como você se tornou um fã de música erudita contemporânea? É apenas algo que você aprecia ou você trabalha com música?
Não tenho nenhuma educação em música, não toco ou componho. Comecei a ouvir esse tipo de música décadas atrás, quando percebi que um monte de compositores do pós- guerra estavam produzindo combinações de timbres e harmonias fascinantes e sem precendentes. Eu amo sons e gosto de me expor à maior variedade possível de sons interessantes, então comecei a colecionar e ouvir LPs de música clássica de vanguarda.

Quando você teve a ideia do Avant-garde project?
No começo de 2006, percebi que Acustica, do Mauricio Kagel, não estava disponível em nenhum formato além de alguns MP3 na ubuweb. Eu queria compartilhar esse trabalho incrível, então tive a ideia de converter meu LP e fazer upload no bittorrent. Isso me fez pensar que eu era uma das poucas pessoas com (a) uma coleção grande de LPs de música clássica do fim do século 20, (b) um aparelho analógico topo de linha com conversor analógico-digital, (c) familiaridade com bittorrents e (d) tempo livre suficiente para transcrever e fazer upload desse material. Assim, senti uma certa obrigação em fazer com que esses discos estejam disponíveis para mais pessoas.
Comecei com alguns favoritos pessoais, e, a partir do momento em que ficou claro que havia interesse no projeto, comecei a transcrever trabalhos fora de circulação de maneira mais sistemática. De início, pensei que fosse fazer umas trinta ou quarenta partes, então pareceu que eu teria material para umas oitenta, e agora estou com mais do dobro desse número. Depois de fazer upload de uns vinte discos, percebi que a “seeding bandwidth” dos partidários do AGP estava se estreitando para manter todos esses torrents disponíveis, então comprei o domínio avantgardeproject.org e assim as pessoas podem fazer download direto do servidor.

Quais são seus favoritos entre toda sua coleção e entre os discos que estão no arquivo do Avant-garde project?

Veja aqui: http://www.avantgardeproject.org/favorites.htm

Você mantém o site sozinho?
Sim. Apesar de alguns partidários do AGP terem ajudado fornecendo material e hospedando “mirror sites”, continua sendo uma operação de um homem só.

Discos de música clássica contemporânea são extremamente difíceis de achar e também muito caros. Os que você postou no site são ainda mais difíceis de conseguir. Me conte como você formou sua coleção de discos – você costuma ir a sebos? Compra pela Internet?
Comprei MUITO em lojas de discos usados em um período de décadas. Eu comprava agressivamente no fim dos anos 80 e começo dos 90, quando pessoas com coleções grandes de LPs estavam mudando para o CD e se desfazendo de suas coleções. Perda deles, ganho meu.

Existe algum disco que você esteja procurando, mas ainda não conseguiu?
Não me vem nada à cabeça imediatamente. Com pouquíssimas exceções, o ebay me proporcionou preencher as lacunas, exceto naqueles casos em que o preço é muito alto para mim.

Apesar do site conter apenas trabalhos fora de circulação, você teve algum problema com copyright?
Tive alguns pedidos para remover material, e o fiz imediatamente após ler o email, e os representantes dos donos dos copyright têm sido geralmente amigáveis. Acho que eles perceberam que o AGP existe para servir os compositores e os fãs dessa música incrível, e que eu não quero interferir em nenhuma atividade comercial, já que o mecanismo comercial sempre será o melhor meio de oferecer mais música a mais pessoas, e temos que respeitar isso.

O projeto é focado na música do século 20. Você tem intenção de expandi-lo para a música do século 21 também?
Só se começarem a lançar montes de LPs de música clássica do século 21 e estes LPs saiam de circulação.

Para terminar: a música clássima contemporânea é considerada a forma de arte contemporânea mais impopular. Por exemplo, pessoas comuns conseguem curtir uma exposição de artes visuais em um museu, mas ouvir algo como música eletroacústica é quase insuportável para elas. Você recomenda algum tipo de “treinamento auditivo” para aqueles que querem entrar nesse universo, mas ainda não são familiarizados a ele?
Honestamente, não tinha pensado muito nisso. Lembro de ter lido em algum lugar que música é sobre preencher as expectativas dos ouvintes o suficiente para lhes proporcionar satisfação e uma experiência inteligível, mas não tanto a ponto da música soar banal e desinteressante. Acho que as pessoas variam em quanto elas preferem uma música que fica no terreno do familiar e previsível versus música que as desafiam com o novo e o inesperado. Para gostar de música clássica conemporânea, acredito que você já tem que querer ser desafiado pela música. A maioria das pessoas não quer isso. Elas gostam do que é familiar e previsível porque elas querem simplesmente ser entretidas pela música. Duvido que as pessoas possam se treinar para querer algo diferente do que elas querem naturalmente. Mas talvez!