terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Craig Leonard parte 2

Pedi ao Craig Leonard a lista dos artistas e álbuns elencados para a performance Sun Ra to Sunn O))). Ele me mandou uma relação meio incompleta (não lembrava o nome de alguns discos e disse que talvez até tenha esquecido de elencar alguns artistas) e organizada de trás pra frente (de Sunn O))) para Sun Ra), mas dá pra ter uma boa ideia do que consiste a performance:

Sunn O))) - MONOLITHS AND DIMENSIONS
Talibam - ECSTATIC JAZZ DUOS
New Humans - UNDERCOVER
Merzbow - PROTEAN WORLD
Future Blondes HEARTLESS
Melt Banana BAMBI'S DILEMMA
Pre EPIC FITS
Mouthus SAW A HALO
Clockcleaner BABYLON RULES
Kites HALLUCINATION GUILLOTINE/FINAL WORSHIP
krankenhausen ?
Coughs SECRET PASSAGE
Dreamcatcher NIMBUS
Silver Daggers NEW HIGH & ORD
Sightings ARRIVED IN GOLDXBXRX SIXTH IN SIXES
Neon Hunk SMARMY MOB
The Locust PLAGUE SOUNDSCAPES
Smegma & Wolf Eyes THE BEAST
Noxagt TURNING IT DOWN SINCE 2001!
Mindflayer TAKE HOUR SKIN OFF
Panasonic/Alan Vega MEDAL
Null ULTIMATE MATERIAL II
The Chrome Cranks LOVE IN EXILE
Man Is The Bastard SOURCES OF POWER
Splendor Mystic Solis HEAVY ACID BLOWOUT TENSIONS LIVE!
Harry Crews NAKED IN GARDEN HILLS
Jesus Lizard HEAD
Royal Trux ROYAL TRUX
The Young Gods RED WATER
Negativeland HELTER STUPID
Sonic Youth DAYDREAM NATION
Soixante Etages HEATPROOF CAULDRONS FOR WANGLERS
Jane's Addiction NOTHING'S SHOCKING
Steaming Coils THE TARKINGTON TABLE
Legendary Pink Dots ANY DAY NOW
Honeymoon In Red HONEYMOON IN RED
Big Black SONGS ABOUT FUCKING
Slope GRADUAL DISAPPEARANCE
Gen Ken GREATEST HITS
Architects Office CASWALLON THE HEADHUNTER
ANP ULTRASONIC
Controlled Bleeding CURD
Rhys Chatham FACTOR X
Swans HOLY MONEY
The Jesus & Mary Chain PSYCHOCANDY
Un Departement LE ALBUM
Henry Kaiser SOLO GUITAR
Savage Republic TRAGIC FIGURES
Test Dept BEATING THE RETREAT
Black Flag DAMAGED
Scraping Foetus Off The Wheel HOLE
Rhythm & Noise CONTENTS UNDER NOTICE
Bourbonese Qualk HOPE
Problemist 9 TIMES SANITY
Sonic Youth CONFUSION IS SEX
Einsturzende Neubauten DRAWINGS OF PATIENT O.T.
Clock DVA ADVANTAGE
Mark Stewart & The Maffia LEARNING TO COPE WITH COWARDICE
Severed Heads SINCE THE ACCIDENT
P.I.L. THE FLOWERS OF ROMANCE
Boyd Rice/Frank Tovey EASY LISTENING FOR THE HARD OF HEARING
Biting Tongues DON'T HEAL
DNA A TASTE OF DNA
Whitehouse BIRTHDEATH EXPERIENCE
Baroque Bordello ABNORMAL SONGS
Throbbing Gristle HEATHEN EARTH
Cabaret Voltaire THE VOICE OF AMERICA
The Birthday Party S/T
Alternative TV VIBING UP THE SENILE MAN, PART ONE
The Germs GERMICIDE
Throbbing Gristle 2ND ANNUAL REPORT
Boyd Rice S/T
Suicide S/T
Steve Reich DRUMMING
The Stooges FUNHOUSE
Morton Subotnick TOUCH
MC5 KICK OUT THE JAMS
The Mothers of Invention ABSOLUTELY FREE
Velvet Underground THE VELVET UNDERGROUND & NICO
Red Krayola THE PARABLE OF ARABLE LAND
John Cage VARIATIONS IV
The Nihilist Spasm Band RECORD
Sun Ra THE MAGIC CITY

E Craig Leonard também tem uma banda de srf punk chamada Catbag, na qual toca um baixo modificado (cordas E e A de baixo e E e A de guitarra). O myspace tá aqui e o perfil no Reverbnation aqui.

Feliz Natal a todos.

Presente de Natal: entrevista com Craig Leonard

O artista multimídia canadense Craig Leonard se define como um “anarquivista” – alguém que trabalha com arquivismo de maneira desregrada e sem seguir protocolos. A (anti-)técnica parece perfeita para a área de interesse de Leonard: explorar e catalogar materiais ligados à vanguarda e à contra-cultura.

Em 2007, ele estava fuçando no acervo do Centre for Experimental Art and Communication, que funcionou em Toronto de 1973 a 1978, quando achou uma gravação da banda de punk rock californiana The Screamers. Durante a curta carreira do grupo (1977-1981), nenhum disco foi gravado, o que conferiu ao material encontrado por Leonard status de tesouro histórico do underground. O artista então se incumbiu da tarefa de prensar artesanalmente cópias em vinil do registro e entregá-las aos ex-membros da banda que ainda estavam vivos – e fazer do processo todo um projeto chamado Gift for the Screamers. Em janeiro de 2009, Leonard criou um novo projeto de investigação musical: descobrir quando e em qual estúdio canadense a banda no wave DNA gravou a música "Grapefruit". Na mesma época, o artista expôs, no museu Mercer Union de Toronto, a obra Bad Seeds, que consiste em imenso mapa musical que mostra relações entre integrantes de diversas bandas não-comerciais.

Sua empreitada mais recente é Sun Ra to Sunn O))) – A Blasted History of Noise, uma performance de uma hora de duração na qual Leonard apresenta trechos de 100 discos importantes da “noise music”, começando com The Magic City, de Sun Ra (1965) e terminado com Monoliths and Dimensions, de Sunn O))) (2009). Fiquei sabendo dessa performance somente agora em dezembro, por meio de um post do blog Trabalho Sujo. Fui pesquisar na internet e consegui o contato de Craig Leonard, que topou me dar uma entrevista por email (sei que entrevistas por email são uma aberração da era tecnológica, mas o cara mora no Canadá, então vamos dar um desconto, né?). A seguir, nossa “conversa digital”, acompanhada de vídeo com um trecho da apresentação:

From Sun Ra to Sun O))) - Craig Leonard from New Media Workspace on Vimeo.



Noise music não é uma coisa agradável para a maioria das pessoas. Como você entrou em contato e começou a gostar desse tipo de música?
Basicamente, é outra faceta do meu interesse em expressões artísticas de vanguarda. Eu não diria que gosto de barulho por si só, eu gosto em um contexto cultural amplo, como ato de resistência e rebelião.

Como Sun Ra to Sunn O))) foi concebido? Quando você teve a ideia de fazer essa performance?
A ideia surgiu de uma matéria chamada Audio Explorations que eu ensino na Universidade NSCAD em Halifax. O curso era sobre barulho, improvisação e instrumentos feitos em casa. Como introdução para a história do barulho na música, eu levei meu toca-discos portátil e alguns discos de Morton Subotnick, Minus Delta T, Throbbing Gristle e ATV. Então surgiu a ideia de que seria ótimo fazer uma cronologia do barulho em dois ou mais toca-discos. Eu tentei fazer isso em um festival de música experimental no verão de 2009 chamado Obey Convention, onde eu fui algo do tipo o DJ do barulho entre as bandas. A apresentação foi boa o bastante para que eu pensasse em tentar novamente como uma performance solo.

Você disse que o que define barulho é “dissonância, volume, distorção, imprevisibilidade e caos”. E os sons desafinados e experimentações com afinações diferentes (como escalas orientais)?
O que acho interessante no “barulho” é que, na maioria das vezes, se trata de um conceito relativo – pessoalmente e culturalmente. É definido como o sinal indesejável em um sistema, mas para alguns este é o objetivo. Então continua sendo barulho? Esse é o ponto em que “barulho” se torna um gênero, e eu não estou automaticamente interessado em ouvir esse tipo de trabalho. A performance é uma apresentação de marcos culturais E de relações pessoais com um largo espectro de barulho na música.

Me conte como você formou essa coleção de vinis de noise music. Imagino que alguns dos discos que você toca na performance devem ter sido realmente difíceis de achar…
Li muito sobre noise, utilizei discografias sugeridas por outras pessoas (como a legendária lista Nurse With Wound), e fiz coleções de catálogos completos de certos selos (Industrial, Play It Again Sam). Estou longe de ter todos os discos que eu adoraria ter, mas sempre estou fazendo procuras online ou em lojas de discos sempre que vou a uma nova cidade (Como são as lojas de discos em São Paulo!?). Basicamente, minha coleção nasceu do meu gosto por Throbbing Gristle. A partir daí, voltoi no tempo até o jazz experimental e os primórdios da eletrônica, e tem se movido para a frente por muitos estilos diferentes. Mas sou parcial em relação ao início dos anos 80. Estou preenchendo lacunas e procurando por coisas novas o tempo todo.

Você é um entusiasta do vinil?
Definitivamente!

Como você escolheu quais álbuns, músicas e pedaços de músicas usaria em sua performance? Quanto tempo você levou para fazer essa seleção?
Eu gostei da poesia de ter Sun Ra e Sunn o))) emoldurando os discos apresentados. Eu usei The Magic City, disco que Sun Ra lançou em 1965, para começar, mas eu poderia ter começado com o primeiro disco do Nihilist Sapasm Band, que é daquele mesmo ano. Eu poderia ter ido mais longe, Futuristas, por exemplo, mas não há nenhum vinil do Russolo e eu não conseguiria pagar por um se existisse! Eu estava determinado a usar somente as prensagens originais da minha própria coleção. Então o projeto é maior que um set de DJ. Para mim, é tanto sobre colecionar quanto é uma visão geral da noise music, ou melhor, do barulho na música. Obviamente eu também poderia ter escolhido diversas outras coisas para representar 2009! Eu tentei achar um álbum ou mais para cada ano de 1965 até o presente.
Quanto aos álbuns, foram anos colecionando. Já os samples escolhidos para a performance foram aleatórios. Chamo (a técnica) de “solte a agulha”.

Os samples são apresentados em ordem cronológica, certo?
Certo.

Sun Ra foi o primeiro cara a realmente usar barulho na música popular?
Definitivamente não. Foi quem quer que seja que tenha desviado da música que herdou, um homem das cavernas esperto.

Quais são seus artistas, discos e/ou músicas preferidos dentre aqueles apresentados na performance?
Essa é realmente difícil de responder porque eu amo a maioria dos discos por alguma razão ou outra. Eu adoro a loucura das performances improvisadas da Nihilist Spasm Band, Destroy All Monsters, Red Krayola e Acid Mothers Temple. Eu adoro o terrorismo psicopata do Throbbing Gristle. Sempre vou amar Swans, DNA, Sonic Youth antigo. Realmente gosto de bandas mais novas como Kites, Coughs e Sightings. De maneira geral, gosto de experimentos em áudio que continuam sendo audições desafiadoras, que produzem um efeito psicológio e/ou físico.

Qual foi sua experiência mais louca e/ou intensa com música?
Eu vi um show do ao ar livre do Mercury Rev em 1994 que foi tão alto – três ou quatro guitarras cheias de feedback e uma flauta com uma tonelada de pedais de efeito – que as pessoas realmente se escondiam atrás de outras pessoas na parte de trás do local, tentando se proteger do ataque. Foi tão intenso fisicamente que era difícil de respirar. Em relação ao barulho gerando um efeito psicológico, "Second Annual Report", do Throbbing Gristle, quando escutado com muita atenção, sempre me leva para um lugar profundo.

Você mencionou o Sonic Youth antigo. O que você acha do “novo” Sonic Youth? Você gostou do disco mais recente deles, The Eternal?
Eu parei de escutar Sonic Youth depois de Daydream Nation. Brincadeira, mais ou menos. Eu vi a turnê de aniversário do Daydream Nation em 2007 em Los Angeles e foi ótimo. Eu vi o show do The Eternal em São Francisco no ano passado e amei. Eu os respeito imensamente, mas parei de seguir faz ao menos uma década. Sou nostálgico em relação às coisas mais antigas, cruas e com atitude suja: Confusion is Sex, Evol e Sister.

Existe algum estilo de noise music que você simplesmente não suporta? Você gosta de gabba e black metal, por exemplo?
Eu considero música comercial e pop um barulho nauseante. Em relação à música que tem intenção de ser barulhenta, eu estou disposto a dar uma chance a tudo, com exceção de merdas neo-nazistas, que pra mim são intoleráveis.

Você teve que lidar com questões de copyright?
Para ser honesto, nem me preocupo com isso.

Você planeja gravar Sun Ra to Sunn O))) e lançar em disco? Ou fazer um DVD?
Não. Dei gravações em áudio da performance para alguns amigos mas é só.

Você vai fazer esse performance novamente? Onde e quando? Tem planos de levar a performance para o exterior e talvez… apresentá-la no Brasil?
Sim. Na praia no Brasil. Eu queria! Você conhece boas galerias de arte?

Li sobre um outro projeto seu chamado Gift for the Screamers. Só por curiosidade… você conseguiu entregar os vinis feitos à mão para todos os ex-membros dos Screamers que estão vivos?
Ainda não consegui achar o Tommy Gear… Infelizmente, eu meio que desisti de procurar.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Deu no New York Times

Um repórter do NY Times foi conferir o tal simpósio black metal - e aprovou. Dá pra ler o artigo aqui.

E falando em black metal...

acabou de estrear nos EUA o documentário Until the light takes us, sobre... black metal! Mais especificamente, o black metal norueguês e sua trajetória nada exemplar. O legal é que os diretores do filme passaram anos convivendo com os black metallers da Noruega, então não é um filme de alguém que caiu de para-quedas no assunto - e, pelo que eu vi no trailler, também não de alguém que está a fim de passar a mão na cabecinha de assassinos e queimadores de igreja. Enfim, parece ser uma obra de bom jornalismo, aquele que se dispõe a conhecer todos os aspectos de uma situação complexa (e, no caso do black metal, o que não falta é complexidade). E aí, será que vem pro Brasil??



Pra quem ficou curioso, a música de fundo é Dunkelheit, do (glup) Burzum:

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Black Metal parte 2

No último sábado, aconteceu em Nova York um simpósio sobre "teoria black metal". Isso mesmo: uma série de palestras sobre assuntos como a ligação entre black metal e a filosofia de Nietzsche, por exemplo. Se não bastasse a excentricidade do tal simpósio em si, fiquei sabendo desse evento pelo blog de Sasha Frere-Jones, colunista de música da revista New Yorker - e ele garantiu que estava doido para ir ao tal encontro.

Isso me pôs a pensar se, embaixo dos escândalos e das ridicularidades/bizarrices que envolvem o black metal não existe um gênero musical e uma sub-cultura verdadeiramente interessantes e inteligentes.

Isso aconteceu hoje. E também foi hoje que resolvi procurar no Youtube alguma coisa da banda Sunn O))), sobre a qual eu já lera, mas nunca tinha ouvido. O som do grupo lembra The Swans, só que ainda mais radical: com mais peso, mais distorção, andamentos mais arrastados e vocais ainda mais guturais e desesperados. A banda geralmente é rotulada como pertencente ao gênero drone metal, que pode muito bem ser descrito como uma espécie de death-black metal em rotação lenta. Aliás, o último disco (Monolithis & Dimensions) e os shows recentes do Sunn O))) contam com a participação de Attila Csihar, atual vocalista do Mayhem (sim, aquela banda de black metal norueguês cujo guitarrista Euronymous foi assassinado por Varg Viekernes em 1993 - até então eles eram amigos e faziam programas como queimar igrejas juntos).

Acontece que, em vez de queimar igrejas, o Sunn O))) utiliza o espaço físico de igrejas e templos para fazer seus shows. A mistura entre a arquitetura naturalmente opressora dessas construções com o som torturante da banda, acrescidos de uma densa fumaça e integrantes vestidos como monges (e sem pintura de urso panda), cria um cenário sonoro-visual de pesadelo:



Fuçando um pouco mais na web, descobri que Attila Csihar também participou do disco mais recente de Jarboe, tecladista que fez parte do The Swans - e então o círculo se fecha e a hipótese de que existe vida inteligente no black metal ganha cada vez mais força...

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Off- topic: O mundo hype é um moinho

"Factóide", segundo definição do Aurélio, é "Fato, verdadeiro ou não, divulgado com sensacionalismo, no propósito deliberado de gerar impacto diante da opinião pública e influenciá-la". A imprensa musical também produz seus factóides, elevando à categoria de fenômenos bandas e artistas que não acrescentam nada ao universo da música. Foi essa indústria do hype que fez do Cansei de ser sexy o grupo brasileiro mais influente de todos os tempos. Como tudo no mundo industrial-capitalista é descartável, logo o CSS passou da data de validade e foi substituído por Mallu Magalhães, Copacabana Club...

O mais novo produto desse mercado pseudo-indie (porque para ser fenômeno hype é imprescindível ter uma aparência underground anti-comercial) é um duo americano chamado Girls. A banda já estava bombando na imprensa internacional e hoje ganhou capa da Ilustrada, em matéria assinada por Thiago Ney - jornalista e crítico de música pop que vive de papagaiar a mídia gringa. E como lá fora o Girls é o must, aqui também será celebrado como a melhor banda da última semana. Só tem um pequeno problema: o Girls é medíocre. O disco de estreia, batizado de Album, é um desfile de soluções melódicas e harmônicas de fácil digestão e instrumentação convencional. Tirando a ensolarada e ingênua Lust for life, que tem um apelo pop dançante inegável, e Morning light (uma cópia constrangedora de Sonic Youth e My Bloody Valentine), o resto do disco não é nem muito bom nem muito ruim.





Verdade seja dita: o Girls faz sucesso única e exclusivamente por causa de Christopher Owens, vocalista/guitarrista e compositor do grupo. Além de ser absurdamente, arrebatadoramente, criminosamente sexy, ele tem uma história de vida das mais malucas: cresceu num culto bizarro chamado Children of God, fugiu, virou um punk drogado e foi adotado por um multimilionário texano aos 16 anos. É aquele tipo de personagem que qualquer repórter ligado em jornalismo literário sonha encontrar pela frente.

Mas meu intuito aqui não é falar mal do grupo e sim dessa indústria do hype. No caso da cobertura de música pop no Brasil (especialmente na Folha de S. Paulo), a máquina conta com mais uma poderosa engrenagem: a total ignorância em relação à música. Os "críticos" podem até devorar trocentos discos por dia e conhecer bandas obscuras da Sibéria, mas não sabem o que é uma consonância ou dissonância, o que é afinação temperada, qual a diferença entre um acorde maior e um menor. E por isso as "análises" deles saem recheadas de besteiras homéricas. No caso da matéria sobre o Girls, Thiago Ney compara as melodias do grupo às melodias dos Beach Boys. Na resenha de Album, Chico Felitti (repórter do Folhateen que costuma escrever sobre maquiagem e depilação de axila e que por algum motivo insondável vem assinando resenhas de música no jornal), chama escaleta de "teclado de sopro" e se assombra com o alcance vocal de Christopher Owens.

Lá fora a máquina do hype também funciona à toda, mas a cobertura de música não se resume a isso. Publicações gringas rasgam seda para o Girls mas também enchem de elogios bandas como Grizzly Bear - essa sim tem melodias que remetem a Beach Boys e um cantor com alcance vocal. Aqui, o Grizzly Bear foi tema de apenas um tópico na coluna semanal de Thiago Ney. O texto começa assim: "Saiu nesta semana Veckatimest, disco de nome impronunciável, de autoria do Grizzly Bear, banda americana de nome um pouco mais "pronunciável", mas não menos estranho. Entendo se você pegar birra de Veckatimest antes mesmo de ouvi-lo. Parece nome de disco do Gilberto Gil".

Não precisa nem comentar. A propósito, um pouco de Grizzly Bear:

sábado, 14 de novembro de 2009

Heroin (agora sim)

A notícia é velha, mas vamos lá: Beck percebeu a cagada que fez com Heroin e resolveu se retratar. No fim do Record Club do The Velvet Underground & Nico, ele postou uma nova releitura de Heroin que, se não é brilhante, pelo menos é respeitosa em relação à original:

Record Club: Velvet Underground & Nico "Heroin" (Alt. Version) from Beck Hansen on Vimeo.

domingo, 8 de novembro de 2009

Memory of a very well paid festival


Nunca pensei que diria esta frase: "O show do Sonic Youth me decepcionou". Pois é, a apresentação da banda ontem no Planeta Terra não me empolgou. Os caras tocaram super bem, não teve mimimi de Brasil eu te amo e tal, mas aquele setlist... não consegui entender aquele setlist, sério.

Quando eles vieram pro Brasil em 2005 (e eu não pude ver porque tinha a maledeta prova da Fuvest no dia seguinte), eles fizeram um show super experimental, cheio de viagens noise-psicodélicas. Nesta vez, eles optaram por fazer algo mais centrado nas músicas da banda, sem grandes intervenções instrumentais improvisadas. Até aí, beleza, já que o que não falta no Sonic Youth é música foda.

Primeiro desapontamento: praticamente metade do show foi dedicado ao disco mais novo, The eternal, que, dentro da discografia incrível do Sonic Youth, é bem fraco. Mas era de se esperar, já que o álbum foi lançado nesse ano e tem que rolar aquela divulgação.

Segundo desapontamento: simplesmente não entendi qual o critério usado para escolher as demais músicas do show. Quando, logo no começo, Lee Ranaldo anunciou que iria tocar uma do Daydream Nation e mandou Hey Jony já vi que o negócio tava estranho. Porra, DAYDREAM NATION. Por que não tocar Teenage Riot ou ao menos Silver Rocket?? Bom, a estranheza do set list continuou: nenhumazinha do Dirty ou do Goo (o que não fez o menor sentido, já que o disco novo tem muito a ver com esses dois álbuns - apesar de não chegar na sola do pé destes) e Stereo Sanctity do Sister (por que não Schizophrenia, meo deos??)

Terceiro desapontamento: o show foi ridiculamente curto, teve só uma hora e vinte de duração, e nem teve bis - se bem que isso não é culpa dos caras e sim da organização do evento, que não deu mais tempo de show pra eles.

Mas nem tudo foi tristeza. Primeiro porque era Sonic Youth, e mesmo as músicas fracas do SY são fodas (ou ao menos muito superiores à produção de 90% das outras bandas de rock alternativo), a execução das músicas foi perfeita e alguns momentos merecem destaque: a energia punk de 'Cross the Breeze e a escolha de fechar o show com Death Valley 69, da fase mais no wave do grupo.



Já que o Sonic Youth não foi lá essas coisas, eu pensei: "Iggy and the Stooges não tem muito como dar errado". E assim que Iggy Pop e seus comparsas subiram ao palco realmente parecia que não tinha como aquele show ser ruim: já chegaram mandando Raw Power, seguida de Kill City, Gimme danger e Search and Destroy (não lembro se exatamente nessa ordem). Mas aí tio Pop decidiu que queria um pouco de calor humano e convidou algumas pessoas para subirem ao palco. "Just a few guys", ele disse. Em dois minutos o palco estava tomado por dezenas de fãs enlouquecidos. Receita perfeita para dar merda. Felizmente, não aconteceu nada desastroso tipo o palco cair ou pessoas serem pisoteadas, mas vi algumas cenas realmente tristes. Dois gorilas da segurança ficaram rodeando o Iggy Pop, impedindo da maneira mais truculenta possível que os fãs se aproximassem dele (e ele louco pra ir pro povão, tipo o Lula quando foi empossado em 2003). Nessas, o próprio Iggy Pop acabou levando uns safanões. Mas mesmo assim um palhaço conseguiu apertar o mamilo dele. Bom, terminou a música (que eu não sei qual era) e as pessoas foram gentilmente convidadas a rapar fora do palco. Nem precisa dizer que demorou uns cinco munutos pra todo mundo sair. Enquanto isso, Steve Mackay ficava fazend0 um solo de saxofone. E aí eu vi a cena mais bizarra ever: tinha um fã cabeludo que estava querendo um approach com o Iggy Pop. Os seguranças deitaram o cara no chão, mas ele conseguiu se desvencilhar e correu em direção a seu ídolo. Adivinha o que os seguranças fizeram? Puxaram o cara pelo cabelo. Eu, que já fui a trocentos shows de metal na minha adolescência nunca tinha visto nada remotamente parecido com isso.

Bom, o povo saiu do palco e a banda seguiu com seus clássicos, fechando com a incrível I wanna be your dog, dedicada ao falecido guitarrista Ron Asheton. Foi lindo ver Iggy Pop, um senhor de seus 60 anos com corpinho de 150, de quatro arfando como um cão excitado (e não, não tô sendo sarcástica, achei foda mesmo - punk puro). A parte musical do show estava irretocável até, que, no bis, Iggy Pop decidiu tocar The Passenger. Não sei se os Stooges não estão acostumados a tocar essa música, mas o fato é que cada um parecia estar em um andamento diferente, o baterista fez uma levada tão dura quanto tambor de banda de fanfarra e o saxofonista parecia não saber em que tom estava a música. O horror, o horror. Lust for life, última do show, foi executada com um pouco mais de dignidade, mas faltou groove, aquela pegada que põe todo mundo pra dançar. Iggy Pop deixou o palco com a bunda (e outras coisas mais) completamente de fora (ele passou o show todo com a calça no meio do traseiro, deixando o rego à mostra) e eu fui para casa bem menos realizada do que esperava.

Acho que depois do Radiohead em março, vai ser difícil sair de um show tão satisfeita.

sábado, 7 de novembro de 2009

Clássicos do dia 7: Big Science - Laurie Anderson



Big Science, álbum de estréia da artista multimídia Laurie Anderson, foi lançado em 1982, um ano após o single O Superman alcançar o número 2 das paradas inglesas - feito inacreditável para uma música de mais de oito minutos de duração, repetitiva e monótona e na qual o canto é substituído pela fala. Big Science é uma espécie de “melhores momentos” de United States Live, performance multimídia de oito horas de duração (!) sobre a vida no hoje decadente império do norte. A seguir, apresento três visões sobre esse disco seminal:

Patti Smith através do espelho
Quando juntamos as palavras “mulher”, “poesia” e “música” é impossível não pensar em Patti Smith, a lendária poeta do punk rock nova-iorquino. Laurie Anderson, apesar de também ter a poesia como elemento central de sua obra musical e de ter construído sua carreira em Nova York, possui linguagem artística oposta. Se Alice tivesse encontrado Patti Smith do outro lado do espelho, ela teria se transformado em Laurie Anderson.
Patti Smith é intensa, apaixonada, visceral. Autora de versos como “Jesus died for somebody sins but not mine” (Gloria) e “Desire is hunger is the fire I breath/ love is a banquet on which we feed” (Because the night), Patti Smith se entrega na hora de interpretar as canções: sussurra, berra, se emociona. Já Laurie Anderson é fria e objetiva. Sobre o fim de um amor, diz apenas “I no longer love the colour of your sweaters/ I no longer love the way you hold your pens and pencils” (Sweaters). A utilização intensa do vocoder (instrumento que altera eletronicamente a voz da pessoa) dá à já monocórdica e desapaixonada voz de Anderson um timbre robótico. Nas músicas de Patti Smith, ouvimos um ser humano com todas as suas agonias, paixões e ódios. Nas de Laurie Anderson, escutamos o monólogo de uma máquina.

Patti Smith optou pelo rock: desfia sua poesia sobre uma base orgânica de baixo, guitarra e bateria. A estrutura musical é baseada em acordes e segue o desenvolvimento da narração por meio do uso da dinâmica – quase sempre resultando em um momento de clímax, geralmente no refrão. Já Laurie Anderson canta (ou melhor, recita) acompanhada de sintetizadores. A estrutura é minimalista e repetitiva: pequenas células musicais vão sendo adicionadas e subtraídas durante a canção. Não há desenvolvimento harmônico e o clímax, fraco, se configura quando o maior número de células distintas é tocado simultaneamente.

Dessa forma, Patti Smith consegue transformar um churrasco em uma cena dantesca (Summer Cannibals) enquanto Laurie Anderson faz um acidente de avião parecer um fato corriqueiro (From the air). Diferentes na linguagem, igualmente geniais.

Obra de arte além da obra de arte
Uma das coisas mais instigantes na arte é o quanto uma obra pode ir muito além daquilo que seu autor pensou quando a fez. Por exemplo: quando Picasso pintou a Guernica, queria apenas fazer um retrato cubista de uma tourada. Os animais mutilados ali pintados foram interpretados como seres humanos destroçados e o quadro acabou virando um retrato dos estragos causados pela Gerra Civil espanhola. Mais incrível ainda é quando uma obra ganha um significado diferente quando olhada sob o prisma de fenômenos que aconteceram depois da obra ter sido feita. Por exemplo: após o nazismo, o romance O Processo, de Kafka, passou a ser interpretado como uma metáfora do nascimento do Estado totalitário.

O disco Big Science faz parte do rol de obras que ganharam uma nova dimensão com o passar dos anos. Após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 (quase vinte anos depois do lançamento do disco), as músicas From the air e O Superman ganharam ares assustadoramente premonitórios – falando em 11 de setembro e em música, o verso “If I can make it there I can make it anywhere”, de New York, New York, canção imortalizada na voz de Frank Sinatra, também ganhou contornos sombrios após a queda das torres gêmeas e a ameaça do terrorismo globalizado.

Mas voltando a Laurie Anderson e às canções citadas. From the air, primeira faixa de Big Science, trata de um acidente de avião. Na verdade, é a gravação encontrada na caixa-preta de um avião que já caiu, na qual um piloto-robô avisa tranqüilamente aos passageiros que eles estão f#¨$#@&os:

good evening. this is your captain. we are about to attempt a crash landing. please extinuish all cigarettes. place your tray tables in their upright, locked position. your captain says: put you head on your knees. your captain says: put your head on your hands. captain says: put your hands on your head. put your hands on your hips. heh heh. this is your captain-and we are going down. we all going down, together. and i said: uh oh. this is gonna be some day. standby. this is the time. and this is the record of the time. this is the time. and this is the record of the time. uh-this is your captain again. you know, i've got a funny feeling i've seen this all before. why? cause i'm a caveman. why? cause i've got eyes in the back of my head. why? it's the heat. standby. this is the time. and this is the record of the time. this is the time. and this is the record of the time. put your hands over your eyes. jump out of the plane. there is no pilot. you are not alone. standby. this is the time. and this is the record of the time. this is the time. and this is the record of the time.

Atente para o verso “Cause I’m a caveman”: além de podermos fazer um paralelo fácil entre os malucos do Talebã e homens pré-históricos, acredita-se que Osama bin Laden viva até hoje escondido em alguma caverna do Afeganistão.

O Superman, épico de oito minutos que virou hit na Inglaterra, também é uma gravação. Só que, dessa vez, de mensagens deixadas em uma secretária eletrônica:

o superman. o judge. o mom and dad. mom and dad. o superman. o judge. o mom and dad. mom and dad. hi. i'm not home right now. but if you want to leave a message, just start talking at the sound og the tone. hello? this is your mother. are you there? are you coming home? hello? is anybody home? well, you don't know me, but i know you. and i've got a message to give to you. here come the planes. so you better get ready. ready to go. you can come as you are, but pay as you go. pay as you go. and i said: ok. who is this really? and the voice said: this is the hand, the hand that takes. this is the hand, the hand that takes. this is the hand, the hand that takes. here come the planes. they're american planes. made in america. smoking or non-smoking? and the voice said: neither snow nor rain nor gloom of night shall stay these couriers from the swift completion of their appointed rounds. 'cause when love is gone, there's always justice. and when justice is gone, there's always force and when force is gone, there's always mom. hi mom! so hold me, mom, in your long arms. so hold me, mom, in your long arms. in your automatic arms. your electronic arms. in your arms. so hold me, mom, in your long arms. your biochemical arms. your military arms. in your electronic arms.

A tal mãe da música pode ser interpretada como a pátria, os EUA – lembrando que Big Science nasceu a partir de uma performance sobre o país. Ela avisa que os aviões estão chegando (e são aviões americanos) e que nada irá impedir os mensageiros de completarem rapidamente sua tarefa. Levando em consideração que o principal objetivo do ataque às torres gêmeas não era matar as milhares de pessoas que estavam trabalhando lá e sim mandar uma mensagem de pânico e terror (que é, na verdade, o objetivo de qualquer ataque terrorista), a letra de O Superman também ganha contornos bem sinistros. No fim, o eu lírico pede para a mãe a segurar nos braços, em seus braços eletrônicos, automáticos, militares – que foi a resposta dos EUA aos ataques. A letra é ainda mais interessante se pensarmos que, em inglês, “arms” significa tanto “braços” como “armas”.

Mas então, seria Laurie Anderson uma espécie de Nostradamus pós-punk? Não. O disco Big Science foi feito na era Reagan, extremamente conservadora, militarista, enfim, republicana. Na faixa-título, o mote neoliberal daqueles dias é apresentado sem rodeios: “Every man for himself”. Muitos acreditaram que esse realmente era o caminho, afinal, os EUA e o capitalismo estavam no auge. Mas, ao contrário de Francis Fukuyama (autor da célebre frase de que “a História acabou”), Anderson parecia saber que o Império iria se auto-sucumbir – aliás, quem foi que armou o Talebã mesmo...?

Obs: essa ótima resenha da Pitchfork investiga a ligação entre Big Science e o 11 de setembro e serviu de inspiração para o meu texto.

Amor em tempos robóticos
Além da já citada Sweaters, as duas últimas faixas de Big Science tratam do tema do amor. Em Let x=x, o sentimento é uma possibilidade real (“you know, it could be you. it s a sky-blue sky. satellites are out tonight”), demonstrado por meio de pequenos gestos como mostrar ao outro seu canivete suíço ou deixar que o outro autografe o gesso. Por mais insignificantes que tais ações pareçam, ainda assim são trocas. Já em It tango, a comunicação se esfarelou. A letra da música é um daqueles diálogos em que parece que cada pessoa está tendo uma conversa diferente:

she said: it looks. don't you think it looks a lot like rain? he said: isn't it. isn't it just. isn't it just like a woman? she said: it's hard. it's just hard. it's just kind of hard to say. he said: isn't it. isn't it just. isn't it just like a woman? she said: it goes. that's the way it goes. it goes that way. he said: isn't it. isn't it just like a woman? she said: it takes. it takes one takes one to. it takes one to know one. he said: isn't it just like a woman? she said: she said it. she said it to no. she said it to no one. isn't it. isn't it just? isn't it just like a woman? your eyes. it's a day's work to look in to them. your eyes. it's a day's work just to look in to them.

Interessante o nome da música ser It tango. No tango, o casal se abraça, enrosca as pernas, cola o rosto de um no rosto de outro, tudo em extrema sintonia. Na música, homem e mulher parecem estar em extremos opostos da muralha da China. A própria mulher revela que é preciso um dia todo de trabalho para conseguir olhar dentro dos olhos dele.

Como Let x=x e It tango são emendadas, quase como se fossem uma mesma música, é possível interpretar que Laurie Anderson fala da impossibilidade da comunicação. Se no início ainda havia uma troca mínima, ela já não existe mais. Benvindos ao amor em tempos robóticos.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Ser tosco não é avant-garde

Pelo jeito não é só no Brasil que o povo acha hype ser tosco.

Tava fuçando no youtube outro dia e conheci esse moço chamado Ariel Pink:





Com minha queda por esquisitices adorei esse som meio Sisters of Mercy meets chá de Santo Daime, mas pensei: poxa, que pena que o áudio está ruim, deve ser por causa do Youtube. Então baixei o disco do Ariel Pink que tem essas duas músicas (Doldrum, de 2004) e surpresa! A qualidade do áudio é exatamente a mesma (e olha que baixei em 320 Kb).

Não entendo o que leva um artista a, em pleno século 21, fazer um trabalho tosco assim. Fico especialmente puta por se tratar de alguém com ótimas ideias. Me resta agora imaginar como seriam as 15 faixas de Doldrum caso não estivessem soterradas por chiados, sons abafados e distorcidos muito além do necessário para dar a devida aura de esquisitice ao negócio (esquisitice que eu adoro, aliás).

Ariel, sweetheart, custa comprar um Protoolszinho? Pode ser até um pirata baratinho lá da Santa Ifigênia...

PS: estou, aos poucos, voltando à vida. Segunda-feira entrego meu TCC e terei tempo e cabeça para postar aqui.

domingo, 13 de setembro de 2009

In memorian


Hoje Itamar Assumpção faria 60 anos.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Off-topic: sobre o prazer de ouvir música ruim

Isso acontecia comigo na época em que eu me dedicava 100% à música (como musicista mesmo, não como ouvinte/aspirante à cricrítica): chegavam as férias, eu só queria ouvir música ruim. Com essa maluquice toda de TCC sobre Itamar Assumpção, eis que voltou essa mania. Não tenho vontade nenhuma de escutar os álbuns do Swans, Lou Reed e Funkadelic que eu baixei ou os LPs do Tom Jobim e do Milton Nascimento que eu comprei. Quero mesmo é entrar no youtube e ficar vendo hits trash dos anos 80 (tipo esse, esse ou ainda esse). Mas o que anda me assustando mesmo é o desejo de ouvir hard rock farofa. No caso do Extreme, do Guns e do Skid Row eu ainda tenho a desculpa do Nuno Betencourt, do Axl Rose ou do Sebastian Bach (pois, é claro, só ouço as músicas devidamente acompanhadas de clipes), mas o que posso alegar em minha defesa quando estou viciada em uma música do DEF LEPARD???

Desviando o foco do meu umbigo um pouco, me pergunto: será que música ruim desestressa? Levando em conta que todos esses artistas que eu citei fazem música totalmente tra-la-la, não usam dissonâncias ou barulhos e ainda criam umas melodias e uns refrões que grudam mais que chiclete em cabelo, será que música ruim desestressa justamente por só exigir do ouvinte que ele bata os pezinhos e cante junto?

Agora imagine só... você trabalhou o dia inteiro em algum serviço desgraçado tipo lavar banheiro ou vender cartões de crédito por telefone, depois ficou duas horas no ônibus até chegar em casa. Quando você pode finalmente se estirar no sofá e aproveitar os poucos momentos do dia em que pode fazer o que der na telha, você vai querer ouvir Einstürzende Neubauten ou A-Ha?

Fica a questão.

sábado, 1 de agosto de 2009

A arte de cagar em uma obra-prima

Me livrei de ter que tatuar BECK na testa, porque Heroin ficou uma merda. Merda. MERDA:

Record Club: Velvet Underground & Nico "Heroin" from Beck Hansen on Vimeo.

Quando se vai reinterpretar uma música, há algumas coisas da original que devem ser respeitadas. Uma delas é a letra (ainda mais quando é uma letra como a de Heroin...), e o carinha aí errou quase tudo. No caso específico de Heroin, há um outro "detalhe" que deveria ter sido preservado: a estrutura da música representa um pico de heroína. Ela começa lenta, aí a coisa vai acelerando, chega no caos total e depois começa a desacelerar e a voltar ao normal. Na versão do Record Club, foi porrada quase do começo ao fim. E isso tirou toda a força da música, acabou com a relação forma e conteúdo tão importante e bem-feita na original.

Outra coisa que me deixou especialmente puta foi ver os caras rindo e fazendo a coisa de qualquer jeito. Como alguém consegue rir em uma das músicas mais tensas da história do rock? E cadê o Beck pra botar ordem nessa bagaça? Foi passar umas férias no Caribe e deixou um bando de incompetentes cagar em uma obra-prima?

quarta-feira, 29 de julho de 2009

A arte de fazer o infazível


Para uma pessoa regravar The Velvet Underground & Nico é preciso:

a) ser doente da cabeça
b) ser um gênio
c) não ter superego
d) não se levar muito à sério ou se levar à sério demais
e) sofrer de megalomania
f) todas as anteriores + ser cientologista + ser autor do verso In the time of chimpanzes I was a monkey

Acertou quem escolheu a alternativa F.

Já faz mais de um mês que Beck vem se dedicando à perigosa tarefa. E o resultado, meu deus... Dizer que está melhor que o original seria uma heresia comparável a cuspir na cruz, mas que o trabalho do Beck tá FODA, isso é fato. As combinações de instrumentos, as desafinações, os arranjos, os vocais... só pra ter uma ideia ele enfiou um alaude em All Tomorrows Parties e transformou Run Run Run em música de videogame vintage, tipo Mario Bros.

A cada semana ele posta um vídeo com uma faixa do álbum, devidamente beckeada. A próxima é Heroin. Se ele conseguir fazer algo que chegue na sola do pé da original, eu juro que vou tatuar "BECK" na testa.

É só ir em www.beck.com/record_club pra conferir.

E na home do site também tem links para versões acústicas de faixas de Modern Guilt, sets, clipes e uma entrevista do Beck com Tom Waits.

440 Hz (volume 2): Versões

Sempre achei versão um negócio medonho, que remete à falta de talento para a música e ao excesso de talento para o negócio dos artistas medíocres da Jovem Guarda (Robertão e Erasmo não se incluem aí, ok?), ou às piores bandas do já horroroso rock brasileiro da década de 80 - lembram do Nenhum de Nós transformando Starman do Bowie em Astronauta de Mármore ou do Dinho Ouro Preto tentando dar uma de Iggy Pop em O Passageiro? Pois é ...

Poréééém, andei ouvindo uns discos que pessoas bacanas gravaram nos anos 80 e adivinha? Versões. Ney Matogrosso, no ótimo álbum Mato Grosso, fez a cagada de registrar uma versão de Johnny B. Good chamada Johnny Pirou, de autoria de Leo Jaime (!!!) e Tavinho Paes. Atenção para o refrão : Goool, gol do Mengão foi gooool. Eles tentaram fazer algo engraçado mas o resultado foi triste, muito triste.

Cida Moreyra também entrou nessa e gravou Furacão, versão que Miguel Paiva fez de Hurricane, do Dylan - ééé, aquela música enooorme que conta a história do boxeador que foi preso só porque era negro. Tirando um erro gramatical do refrão (Essa é a estória do Furacão/ que a justiça errou na decisão), a letra ficou bacana, bem fiel à original. Mas o resultado... sei lá... parece meio sem sentido passar essa música para o português, sendo que ela trata de um caso tipicamente estadunidense.

Mas o que me deixou passada mesmo foi que o poeta concretista Augusto de Campos fez uma versão de Little Wing, do Hendrix, chamada Asa Linda. Pelo título já dá pra perceber que deve se tratar de uma bomba. E é mesmo. Gravada por Tiago Araripe em Cabelos de Sansão, é um festival de bolas na trave - não sei se por causa da letra, que não é assim tão horrorosa, ou da interpretação meio travada de Araripe.

No entanto, tem uma que eu gosto... É Melro, versão de Blackbird que Tetê Espíndola gravou em Piraretã, sem primeiro álbum-solo. Apesar de só a hipótese de versão de uma música dos Beatles já me dar arrepios, essa saiu muito boa. A letra, vertida para o português por Carlos Rennó, é praticamente uma tradução da original. E o arranjo é lindo, assim como a interpretação da Tetê. Ficou uma coisa meio hipponga, meio regional. Sertanejo lisérgico, como diria Arrigo Barnabé.

Enfim, a moral da história é: se você não for Tetê Espíndola, nem pense em fazer versões.

ps.: ok, se você for Gilberto Gil e quiser passar Bob Marley pro português também tá liberado.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

440 Hz: Neotango


Tango + rock + rap + música eletrônica + Buenos Aires + Berlim

O tango é um self-made man. Nascido por volta de 1880 em prostíbulos da periferia de Buenos Aires e Montevidéu, era originalmente um gênero musical instrumental e dançante – e foi justamente sua dança sensual o motivo por ter sido considerado maldito e pecaminoso durante muitos anos. Tanto que demorou para penetrar mesmo nos cortiços do arrabal (subúrbio) portenho. Mas conseguiu. Nos anos 20, devido a mudanças na política argentina e ao deslocamento da prostituição para o centro da cidade, foi abrindo espaço nos cabarés chiques de Buenos Aires. Na década de 1930, conheceu a glória na voz de Carlos Gardel, tão adorado pelos argentinos quanto Evita Perón. Nos anos 50, Astor Piazzolla fundiu elementos de jazz e música erudita ao tango, levando a música do Rio de la Plata para as salas de concerto de diversos países – e também levando os puristas, que já não viam Gardel com bons olhos, ao desespero. Hoje, cidadão do mundo, o tango absorve todo tipo de influência e inspira músicos tanto da Argentina e do Uruguai quanto da França e da Alemanha. É o Novo Tango. Nuevo Tango. Neotango.

Origens remotas

Em uma primeira audição, este novo tango parece ser nada mais do que o velho tango com uma roupagem modernosa que inclui jazz, rock, pop, rap e muita música eletrônica. Com um pouco mais de cuidado e atenção, contudo, é possível perceber que não se trata apenas de um travestismo musical: o neotango tem personalidade própria e apresenta maneiras singulares de conectar o presente à tradição do passado.

A maioria dos grupos da nova safra já tem no próprio nome ou a palavra “tango” (como Tanghetto, Tangothic, Tango Crash) ou outras relacionadas a esse universo (como Otros Aires, um trocadilho com Buenos Aires, e San Telmo Lounge, que remete a um dos bairros da capital argentina). Os dois principais expoentes do neotango – Gotan Project e Bajofondo Tango Club (que a partir de 2007 deixou o tango um pouco de lado e passou a se chamar somente Bajofondo) – trazem em seus nomes um pouco da história remota do estilo. “Gotan” vem do lunfardo, a gíria da marginalia portenha, e é a palavra “tango” com as sílabas invertidas – prática chamada de vesre (“revés” ao contrário). Já Bajofondo significa bas-fond, submundo, e faz alusão à origem prostibulária do gênero musical.
O olhar para dentro de si mesmo também aparece nas letras de muitas canções. “Notas”, da banda Gotan Project, por exemplo, é quase uma árvore genealógica:

Africanos en las pampas argentinas
toques y llamadas de tambores

candombe, tango


Un gaucho y una guitarra

la payada milonguera y el fantasma de la indiada

china, cebame un mate
tango

Marineros, inmigrantes,
bandoneón, violín y flauta
habanera, canzonetas de los tanos

piano piano nació el tango


Nació el baile compadrito y orillero
guapo, futurista y nostalgioso
mestizaje de europeos, negros, indios
en el Río de la Plata
hace mucho,
no se sabe justo cuándo
un buen día nació el Tango

Nessa busca pelas raízes, a contribuição da música negra (mais especificamente do candombe) para o surgimento do tango vem sendo resgatada. Batidas eletrônicas dividem espaço com instrumentos de percussão de origem africana, como a conga. São bons exemplos “Domingo”, do Gotan Project, e “Un paso más Allá”, de Carlos Libedinski. Nesta última, as origens remotas também aparecem na melodia principal, executada por uma flauta – instrumento que perdeu espaço após a introdução do bandoneón, ainda no século XIX.

Extrair trechos de músicas antigas e utiliza-los como samples é um procedimento bastante adotado pelos grupos da nova geração. Otros Aires, primeiro disco da banda homônima, traz diversas faixas nas quais pedaços de canções gravadas por Gardel são fundidas a grooves eletrônicos. O contraste entre a gravação em mono já desgastada pelo tempo e os recursos tecnológicos de hoje é bem interessante.

Mais festa, menos drama

Seguindo a vertente de Piazzolla, o neotango é majoritariamente instrumental, com a diferença de que seu espaço não é o da sala de concerto e sim o da pista de dança. Para quem fica tonto só de assistir às cruzadas de pernas dos milongueros, uma boa notícia: não é preciso saber nenhum passo nem estar em par para dançar o novo tango. Em Emmigrante, primeiro álbum do Tanghetto, a fusão entre tango e house music – gênero mais comercial da música eletrônica – garante uma ótima trilha sonora para festas e baladas. É, novamente, a retomada de uma característica do passado: nos seus primeiros anos de vida, o tango foi uma dança alegre e divertida e não “um pensamento triste que se baila”, como o classificou o compositor Enrique Santos Discépolo (1901-1951).

O tango-canção, contudo, não foi abandonado. Além das já citadas letras auto-referentes, as de caráter sentimental continuam em voga, embora com abordagem bastante diferente da tradicional. Histórias trágicas envolvendo adultério, perda, vingança e desilusão dão lugar a versos carregados de um romantismo sereno ou de uma leve melancolia, como acontece em “Perfume”, do Bajofondo Tango Club: No hay soledad/ Que aguante el envión / El impulso antiguo y sutil / Del eco de tu perfume...

Seguindo essa linha, os vozeirões dramáticos à la Gardel ou Julio Sosa são substituídos por vozes mais suaves, em sua maioria femininas. Isso representa uma grande mudança no universo tangueiro. Por décadas, a mulher foi somente tema de canções – e de canções bem machistas, nas quais aparecia como falsa, dissimulada, adúltera, interesseira y otras cositas más. Dentre as cantoras, destacam-se Cristina Vilallonga e Veronica Loza, que gravaram, respectivamente, com Gotán Project e Bajofondo. No neotango, também é comum a participação de MCs (cantores de rap), como Apolo Novax e Chili Parker, do grupo Koxmoz, que emprestaram suas rimas para “Mi Confesion”, do Gotan.

Webtango

Quem quer conhecer esse novo universo tangueiro mas não está disposto a desempolsar algumas centenas de pesos em discos pode dar uma conferida no Myspace dos grupos e artistas. Porque, além de cidadão do mundo, o neotango é cidadão da rede. Algumas sugestões (sem link):

www.myspace.com/gotanproject
www.myspace.com/bajofondomardulce
www.myspace.com/tanghetto
www.myspace.com/carloslibedinsky
www.myspace.com/otrosaires
www.myspace.com/santelmolounge
www.myspace.com/zambomusik
www.myspace.com/tangotronics
www.myspace.com/tangothic
www.myspace.com/tangocrash

E tem muito mais…

ps.: a foto que ilustra o post é do desfile de Victor Dzenk na Fashion Rio de janeiro de 2009. O tema da coleção era tango e a banda que tocou no desfile é a Ultratango. Peguei a foto daqui.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Pauliceia Avant-Garde: Punk rock peculiar


Que os artistas da vanguarda paulistana não obtiveram o devido reconhecimento e espaço na mídia não é nenhuma grande revelação. Dentre os inúmeros talentos que ficaram em uma espécie de limbo (amados pela crítica, desconhecidos do público), um caso é particularmente intrigante: o de Paulo Barnabé. Multiinstrumentista, ele participou dos dois álbuns seminais do "movimento", Beleléu, Leléu, Eu, de Itamar Assumpção, e Clara Crocodilo, do irmão Arrigo Barnabé (e não foi só como instrumentista; Paulo também ajudou na criação de arranjos); além de ter criado um dos grupos mais intrigantes dos anos 80, a Patife Band.

Em 1985, a Patife lançou seu primeiro EP. Em 1987, veio o primeiro e, por muito tempo, único LP, Corredor Polonês. Desconhecido e impossível de se achar em lojas de disco, Corredor Polonês é daqueles álbuns que é preciso ouvir diversas vezes para crer. Porque misturar elementos de música erudita de vanguarda (frases atonais, ritmos quebrados) com a urgência e a energia do punk rock realmente não é para qualquer um - se alguém conhecer outra banda que faça isso, favor me avisar.

No meio do caminho ainda aparecem referências à música brasileira, ao jazz e ao rock progressivo. As letras tratam das neuroses típicas das grandes metrópoles, como em Pesadelo ("Você não consegue dormir sem beber/ já faz muito tempo que não") e em Tô tenso ("Tô tenso, tô tenso, tô tenso/ tô cansado/ propenso, propenso, propenso/ ao suicídio").

A faixa mais surpreendente, na minha opinião é Poema em linha reta, uma "parceria" da Patife com Fernando Pessoa. Imbuídos da nada mole tarefa de musicar os versos iniciais de um poema que não tem rimas e foi escrito em verso livre, os patifes se saíram absurdamente bem. Em vez de tentar encaixar o texto a fórceps na música, eles optaram por utilizar os versos de Pessoa como base para a estrutura da música e também para a interpretação. Criaram, assim, o complemento perfeito para os versos violentos do português.

O disco fecha com uma versão sertaneja (com acordeão e sotaque caipira) para Vida de Operário, do grupo de punk rock Excomungados - considerado, e com muita justiça, a pior banda do mundo.

Pra baixar Corredor Polonês, é só clicar aqui.
E para baixar a versão original de Vida de Operário, com os Excomungados, clique aqui.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Clássicos do dia 7: Swans - Cop

Todo dia, quando abro o jornal na parte de quadrinhos, cogito se vou ler ou não a tirinha do Laerte. O fato de parar para pensar se vou fazer algo tão prosaico quanto ler uma tira já é um indício de que ali tem coisa – afinal, não seria mais fácil simplesmente pular ou simplesmente ler os quadrinhos? Acontece que o material que Laerte vem publicando de uns anos para cá é perturbador. Primeiro porque ele cria quadrinhos sem sentido aparente; segundo porque, ao não escolher um alvo específico (um político, a high society, as tribos urbanas), Laerte parece endereçar sua crítica a toda a humanidade – incluindo aí, obviamente, o próprio leitor. Temas como medo, ódio, crueldade e solidão são abordados sem passar pelo filtro do humor (como acontece com a maioria das outras tirinhas publicadas no jornal). Em vez de assoprar, Laerte enfia o dedo na ferida humana. Exemplos:



Quando ouvi a banda Swans, o trabalho de Laerte e a sensação de profundo desconforto que ele causa logo me vieram à mente – e ao estômago. O Swans surgiu em Nova York em meio à cena no wave. Debutou em 1982 com um EP auto-intitulado e, no ano seguinte, lançou o primeiro álbum, Filth. Enquanto James Chance and the Contortions era altamente influenciado pelo free jazz e Lydia Lunch representava a urgência e tosquice típicas do punk rock, o Swans pode ser considerado uma espécie de “braço metaleiro” do movimento. O som do grupo, com guitarras distorcidas até o talo e vocais quase guturais, ao mesmo tempo em que tem algo do precursor Black Sabbath, parece enveredar pelos caminhos cada vez mais extremos que o metal começava a tomar – thrash metal, death metal, black metal...

Em 1984, veio o disco Cop, no qual o grupo exacerbou os elementos já presentes nos trabalhos anteriores, especialmente a repetição. A guitarra e o baixo altamente distorcidos e uma bateria robótica executam uma mesma célula durante toda a música (às vezes, aparece uma ou outra variação mínima, como uma batida em tempo diferente). O andamento arrastado, que faz Cop parecer um disco do Slayer em rotação lenta, aumenta o desconforto e a sensação de sofrimento que emana de cada uma das oito faixas do álbum. Sobre essa base instrumental pesada e hipnótica, Michael Gira grunhe versos como Cut off the arms/ Cut off the legs/ Cut off the head/ Get rid of the body (de Job), I need you more than i hate myself (de Why Hide), You're too close/ I don't recognize your smell/ You're in the wrong skin/ I don't recognize your face/ Your mouth smells strange (de Butcher).

As letras do Swans, assim como os quadrinhos do Laerte, não têm um sentido preciso. Elas apenas evocam imagens grotescas e inquietantes. Pode ser apenas uma mente perturbada delirando. Ou pode ser uma mente altamente lúcida trazendo nossas perturbações mais profundas à tona. Nesse ponto, é importante destacar o seguinte: existe uma vertente do metal, o gore, que também trata de assuntos meigos como assassinato, desmembramento, vermes comendo carne podre. Mas no caso do Swans o propósito é outro. Enquanto a música de bandas como Cannibal Corpse é análoga a um filme trash (ou seja, mais faz rir do que assusta), a do Swans é realmente perturbadora por ter um caráter metafórico, alegórico. Quando Michael Gira grita Corte os braços, corte as pernas, se livre do corpo, ele não está lendo um manual de instruções de como ser serial killer. O objetivo, me parece, é falar das crueldades humanas do dia-a-dia, das pequenas (?) maldades que cometemos; ou alertar para a carga de violência que trazemos escondida sob o manto da civilização; ou ainda ser simplesmente desagradável – o que não vai mudar o mundo, mas também não permitirá que o ouvinte desfrute da música como entretenimento descartável.

A pancada no estômago mais dolorida é proporcionada pela faixa-título, Cop:

The punishment fits the crime
Nothing beats humiliation
Humiliation's a disease
Nothing beats humiliation
Nothing beats them like a cop with a club
Nothing beats them like a cop in jail
Nothing beats their head like a cop with a club
Nothing beats their head in like a cop in jail
Nothing hurts some like a cop with a club
Nothing beats some like a cop in jail
Nobody rapes them like a cop with his club
Nothing hurts some like a cop when it’s done
Nobody beats some like a cop in jail
Nobody burns them like a cop with a match
Nobody burns their body like a cop in jail
Nobody burns their skin like a cop with a match
Nobody has as much fun as a cop
The heat hurts
Humiliation's a disease

Cop, como todas as outras faixas, possui uma estrutura repetitiva. Quando vem o verso Nobody has as much fun as a cop, no entanto, a bateria faz uma virada. Em seguida, a mesma célula de antes é retomada e a frase The heat hurts é repetida incessantemente durante mais de TRÊS MINUTOS. Novamente, defendo a ideia de que o tema tratado não é a violência policial (específico) e sim a capacidade de fazer coisas terríveis que o ser humano possui (geral). Isso me fez lembrar do famoso experimento realizado pela Universidade de Stanford em 1971. O grupo de pesquisa queria estudar os efeitos psicológicos que operavam sobre prisioneiros e guardas de prisão. Para isso, selecionaram 24 voluntários. Todos eram universitários e passaram por um teste para eliminar candidatos com problemas psicológicos ou abuso de drogas. Os 24 eram, portanto, pessoas normais interessadas em cooperar em um trabalho científico e em descolar 15 dólares por dia. Esses 24 voluntários foram divididos ao acaso entre prisioneiros e guardas (o critério usado foi uma aposta de cara ou coroa), uma prisão improvisada foi montada na universidade e o experimento começou. No primeiro dia, todos estavam desconfortáveis em seus papéis, não sabiam direito o que fazer. Mas isso logo mudou. Tanto que o experimento, que deveria durar duas semanas, teve de ser cancelado após seis dias. Os “guardas” chegaram a um nível de brutalidade tão grande e os “prisioneiros” estavam se desintegrando tão rapidamente que a situação se tornou insustentável. À partir do momento em que a autoridade foi conferida a pessoas comuns, elas se tornaram monstros capazes de torturar e humilhar semelhantes – que, por sinal, não haviam cometido delito algum; eram apenas estudantes como os “guardas”.

A humanidade é ou não é assustadora?

Dá para baixar o Swans aqui. Aliás, esse blog me pareceu bem legal - nunca ouvi falar em 99% das bandas que estão lá...

domingo, 5 de julho de 2009

Primeira volta ao redor do sol

E eis que ontem este blog completou um aninho de existência. Alguns acertos, muitos erros, praticamente nenhum leitor e uma blogueira relapsa resumem esse primeiro ano de existência. Que os próximos sejam melhores - ah, sim, porque mesmo com todos esses problemas, continuarei com o blog.

Bom, como o start dele foi um texto sobre a no wave, achei que a melhor maneira de comemorar o aniversário de um ano seria com uma bela seleção no wave, ao mesmo tempo barulhenta e dançante. Pra baixar, é só clicar aqui.

Track list:

1. Sonic Youth - Kill Yr. Idols
2. James Chance and the Contortions - Roving Eye
3. Pere Ubu - Life Stinks
4. Mars - Helen Fordsdale
5. Suicide - Ghost Rider
6. Swans - Seal it Over
7. Sonic Youth w/ Lydia Lunch - Death Valley '69
8. Mission of Burma - New Nails
9. DNA - Blonde Red Head
10. Theoretical Girls - Lovin in the Red

terça-feira, 30 de junho de 2009

Black metal

Já estava ensaiando falar sobre black metal aqui há algum tempo, e quando fiquei sabendo dessa entrevista com o Thurston Moore pensei: é agora.

Na verdade, eu detesto black metal. Boa parte da minha birra com o gênero se deve às maquiagens e roupas ridículas, aos clipes ainda mais ridículos (sério, eles acham que assustam alguém??), ao ódio fundamentalista à religiosidade e ao famoso Inner Circle. O tal círculo era formado integrantes de bandas norueguesas de black metal que, nos anos 90, foram responsáveis pelo incêndio de igrejas - isso sem contar a simpatia declarada dos caras pelo nazismo e alguns casos de assassinato. Mas uma coisa eu admiro no pessoal do black metal: a capacidade de produzir o estilo de música mais anti-musical que existe. Enquanto um vocalista ensandecido berra letras incompreensíveis com voz de demônio recém-nascido, o baterista soca o instrumento na cabeça de cada um dos tempos e os guitarristas cometem frases completamente sem pé, cabeça, apelo melódico e suíngue. É um gênero musical tão tosco e insuportável que, depois de ouvir umas duas "canções" de bandas como Satyricon ou Darkthrone, música eletroacústica passa a soar como o Quebra-Nozes do Tchaikovski.

Outra coisa que me fascina (morbidamente) no black metal são as figuras, principalmente aquelas ligadas ao nefasto Inner Circle e principalmente o nefasto-mor Varg Viekernes. Currículo do cara: além de ser o (único) homem por trás da banda Burzum, ele queimou algumas igrejas durante os anos 90, matou o amigo Euronymous (integrante da banda Mayhem) com mais de VINTE facadas, e criou, na cadeia, uma ideologia chamada "odalismo", que consiste no mais puro e abjeto nazismo com um nome novo. Uma visita pelo site do Burzum vale mais do que mil teses acadêmicas sobre psicopatia - lembrando que, como a maioria dos psicopatas, Varg é inteligente e expõe suas ideias com clareza. O que me deixa mais boquiaberta são as fotos e vídeos de Varg no julgamento que o condenou a vinte anos de prisão pelo assassinato do amigo. Primeiro porque ele tem uma carinha de anjo assustadora - no dia em que apareceu de trancinhas a la Pocahontas então nem se fala... Segundo porque o sujeito se comporta como se estivesse em um passeio no parque e quando recebe o veredicto de que passaria as próximas duas décadas encarcerados ele sorri como se estivesse em um passeio no parque E encontrasse o vendedor de algodão-doce. Espia:



Pelo jeito não sou só eu que fico passada com a história desse maluco, tanto que ouvi por aí que logo logo Varg irá ganhar uma cine-biografia. Enquanto o filme não vem, o Youtube nos fornece esse documentário, chamado Satan Rides the Media, sobre a cobertura que a imprensa norueguesa fez dos atos de Varg:



Também imperdível é o web documentário sobre Gaahl, do Gorgoroth, outra figurinha doce que torturou um cara durante seis horas e quase matou um dos caras da equipe de filmagem quando levou o pessoal para um passeio pela floresta:



Para fechar o momento youtube satânico, a coleção masculina que Alexandre Herchcovitch bolou inspirado no black metal (aliás, no black metal norueguês, também chamado de true norwegian black metal). Nem os fashionistas escapam do encanto sinistro...

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Clássicos do dia 7: My Bloody Valentine - Loveless



Música gasosa

Além do stress, da preguiça e dos problemas tecnológicos, demorei (muito!) para fazer essa resenha porque minha opinião sobre o disco sofreu constantes mutações conforme fui ouvindo e reouvindo. Como não pretendo fazer a crítica definitiva de nenhuma obra, apenas expor meu ponto de vista (fundamentado, por favor), vou dar uma de umbiguista e narrar minhas diversas reações a Loveless, do My Bloody Valentine. A partir dessa experiência pessoal, espero chegar a conclusões que não digam respeito somente a mim mesma. A explicação tá confusa, então vamos aos fatos.

A primeira vez que ouvi My Bloody Valentine, em 2006, fiquei passada. Estava assistindo à MTV de madrugada, quando passou o clipe de “Only Shallow”. A confusão sonora provocada pelas camadas de guitarras extremamente distorcidas, a voz sussurrada de Bilinda Butcher, o clima melancólico... corri para o Kazzaa (afinal, era 2006 e eu sou meio lerda com tecnologia...) e baixei mais algumas canções do grupo. Quando resolvi fazer a resenha de Loveless no Clássicos do dia 7, conhecia apenas algumas músicas do disco e sabia da importância dele para o tal rock alternativo/experimental/indie. Baixei o álbum pelo Torrent e fui ouvir. E aí rolou uma decepção.

Em vez de música elaborada em diversas camadas, ouvi apenas duas guitarras com toneladas de overdrive executando acordes completamente usuais (powerchords talvez), uma bateria sem nada de especial e baixo idem. As tais camadas não eram camadas reais e sim um efeito provocado pelo excesso de distorção nas guitarras. Era um truque, portanto. O áudio extremamente abafado e os finais abruptos das canções também me incomodaram.

Mas ainda assim elas continham uma beleza melancólica que me atraía. Mesmo sendo um truque, ainda dava vontade de fechar os olhos e se deixar levar. E então fechei os olhos e ouvi o disco novamente. Percebi um teclado escondido aqui, alguns coros ali, uma guitarra ruidosa acolá (ruidosa não no sentido de distorção mas no de barulho sonicyouthiano). As camadas existiam, enfim. O My Bloody Valentine pode não ser genial como Radiohead, mas também não é uma farsa elevada ao hype por algum crítico incauto.

O áudio abafado e comprimido e a ausência de dinâmica também deixaram de parecer um erro de mixagem/masterização. Passei a compreender esses “defeitos” como propositais, como ferramentas utilizadas para aumentar a confusão sonora. Esse imbroglio instrumental acompanhado de letras pronunciadas em um inglês ininteligível por uma voz suave que parece cochichar em vez de cantar tornam Loveless um conjunto de onze músicas que podem a qualquer momento se desmilinguir, derreter, virar gás. Matéria amorfa que envolve o corpo do ouvinte despertando uma vontade irresistível de fechar os olhos e balbuciar aqueles versos criptografados ou de simplesmente dançar cabisbaixo – talvez venha daí o nome shoegazer, rótulo que os críticos de música colocaram no som do grupo.

Destaco as faixas “Only Shallow”, que abre muito bem o disco e não por acaso foi escolhida para virar clipe, “I Only Said”, com a frase de sintetizador (ou seria voz?) que surge como uma boia em meio ao mar revolto, e a doce “Blown a Wish”.

Dá pra baixar em FLAC aqui.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Por essa nem Jack Sparrow esperava...


Depois da palhaçada sem-graça da condenação do The Pirate Bay, uma boa notícia: o Pirate Party, nascido na Suécia (também terra do TPB), acabou de ganhar DUAS cadeiras no PARLAMENTO EUROPEU. Das 18 cadeiras que a Suécia tem à disposição no parlamento da UE, duas estão com nossos queridos piratas. E os verdes europeus também estão levantando a bandeira negra da cultura livre.

A luta é lenta, penosa e desleal, mas as primeiras batalhas já estão sendo ganhas. Como diria o próprio The Pirate Bay: "Os mocinhos sempre vencem no final. Isso foi a única coisa que Hollywood nos ensinou".

domingo, 7 de junho de 2009

mais uma bola fora...

Por problemas tecnológicos (leia-se: torrent que não chega nunca), o Clássicos do dia 7 fica pra depois. Mas juro que nesse mês vai ter... só que não no dia 7...

Já adianto que será sobre o belo e melancólico Loveless, do My Bloody Valentine. Enquanto a resenha não vem, ofereço a companhia de "Only Shallow", faixa que abre o álbum - além de ter sido a primeira música do My Bloody Valentine que ouvi...

My Bloody Valentine - Only Shallow

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Algumas rápidas considerações sobre Babe, Terror

Baixei ontem o primeiro disco do Babe, Terror, one man band brasileira que causou furor na imprensa estrangeira com Nasa, Goodbye e, consequentemente, acabou causando furor na imprensa nacional também. Ainda não ouvi inteiro e diversas vezes, mas já me arrisco a fazer algumas considerações sobre o trabalho.

Babe, Terror tem como proposta fazer colagens vocais, ou seja: ele grava algumas frases musicais, murmúrios, sussurros e barulhos com a voz e depois monta o quebra-cabeça em um programa de edição sonora. A ideia é ótima e a intenção é das melhores, mas o resultado deixa muito a desejar. E o motivo é dos mais bobos: a tosquice da gravação e da edição, que faz com que uma proposta musical original e interessante se transforme em um desfile de chiados insuportáveis e de colagens tão mal feitas que dá para saber exatamente onde a faixa de áudio foi cortada e emendada.

Esse negócio de fazer música de qualquer jeito remete ao "Do it yourself" do punk, que com certeza foi uma revolução: "Se expresse mesmo que você não domine a técnica de tal forma de expressão". Frutos desse pensamento podem ser encontrados no funk produzido nos morros cariocas ou no tecnobrega paraense, só para citar exemplos brasileiros. Quando representa uma possibilidade de espaço para a criação, fazendo a massa passar de consumidora passiva a criadora de cultura, o tal DIY é muito bem vindo. O que não pode acontecer é isso servir de pretexto para a preguiça. E é isso o que acontece com Babe, Terror.

Vamos aos fatos: o homem por trás desse projeto é Cláudio Szynkier, repórter de música do site Trama Virtual. Não é um pé de chinelo da Rocinha ou da perifa de Belém, e sim um morador do bairro de Perdizes, reduto da classe média alta paulistana. Portanto, o único motivo para uma produção tão descuidada é preguiça pura e simples. E o único motivo para a imprensa estrangeira ter babado o ovo no trabalho do cara e não citar nenhuma vez a tosquice do áudio é a boa e velha ideia distorcida sobre o Brasil. Realmente, qualidade de som não é algo que se pode exigir de um disco gravado no meio da floresta, enquanto o músico salta de cipó em cipó para fugir de um jacaré faminto e é picado por mosquitos transmissores da malária.

sábado, 30 de maio de 2009

440 Hz: Uma coisa uma coisa, outra coisa outra coisa?


Ótimo esse documentário Ninguém sabe o duro que dei, sobre o Wilson Simonal. Além dos vídeos musicais incríveis que mostram um artista com a rara capacidade de dominar a plateia, o filme tenta desatar o nó que transformou Simonal em colaborador do DOPS e, consequentemente, persona non grata da MPB. São ouvidos amigos do cantor, jornalistas que desceram o pau nele e, pela primeira vez na história, o contador que foi o estopim de toda a confusão. Mas o modo como o filme é estruturado pode gerar uma interpretação rasa e incorreta dos fatos, fazendo Simonal passar de vilão para vítima da mídia. E não é nem uma coisa nem outra. Primeiro porque, ao que tudo indica, ele realmente chamou uns gorilas do DOPS para darem uma surra no contador. Depois porque, na época, ele declarou em alto e bom som para a imprensa: "Eu estou com os homens" (os homens são os agentes do DOPS). Era apenas uma bravata, mas foi encarada como verdade e motivo para jogar o cara no ostracismo. Antes de tacar pedra na mídia, no entanto, vamos nos lembrar que ele falou a frase infeliz em 1971, ano em que a ditaDURA rolava solta e pessoas morriam, sumiam e eram torturadas nos porões do DOPS.

E é aí que está a questão realmente complexa. Vamos supor que Simonal realmente fosse um informante do DOPS. Isso seria motivo para parar de ouvir seus discos e de ir aos seus shows? As posições políticas e mesmo as ações de um artista devem servir de parâmetro para decidir se vamos consumir/fruir sua obra ou não?

Imaginemos um caso ainda mais complicado (e igualmente hipotético): uma banda instrumental incrível, mas que no meio do show e no encarte dos discos faça discursos sobre a supremacia da raça ariana. Apesar do trabalho artístico ser irretocável, seria certo darmos ibope e dinheiro a quem tem um discurso desses?

Não sei a resposta, sinceramente. Faz anos que tenho vontade de assistir aos filmes da Leni Reifenstal (cineasta favorita de Hitler) ou de ouvir um disco do Charles Manson, mas ainda não tive coragem. E o dia em que o fizer (se o fizer...), farei escondido. Uma coisa uma coisa, outra coisa outra coisa, mas não é assim tão fácil separar estética de ética.